UM HOMEM SEM OBSTÁCULOS

Há um tempo atrás programei uma viagem ao exterior com a minha filha e partiríamos do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Em função do clima do destino e do período de permanência, levávamos um pouco mais de bagagem do que o usual. Nossa ideia era ir de metrô até o aeroporto, mas chegando na estação vimos que ali havia algum problema, pois tinha uma grande multidão se acotovelando na calçada. A contragosto pedi um uber.

Em poucos instantes chegou um SUV preto, alto, novo, brilhando! Para a minha surpresa, do carro enorme saltou na calçada um homenzinho bem pequeno, nos cumprimentou sorrindo, e magicamente fez surgir uma vareta metálica que usou para erguer o porta malas e, com rapidez, acomodou toda a nossa bagagem.

Levei algum tempo para processar a cena: carro gigante, motorista minúsculo e agilidade de ginasta. Comentei que era engenheira civil, atuava na área de acessibilidade e, educadamente perguntei se ele, sendo uma pessoa de baixa estatura, poderia me dar algum depoimento, pois este público quase se apagava no segmento das necessidades especiais.  

Concordando, ele disse que costumava usar as instalações baixas e acessíveis das pessoas de cadeira de rodas: balcões de atendimento, pias de banheiro, etc. Explicou que para abrir as torneiras das pias comuns, tinha que ficar na ponta dos pés e ainda assim, lhe caía água no rosto.

Também falou da dificuldade de empurrar e manobrar carrinhos de supermercado, pois não se consegue ver o que acontece adiante, sendo necessário puxá-lo pela parte da frente, que fica mais complicado quando está com muito peso.

Mas o seu maior problema eram os degraus das escadas, achava-os muito altos. Descer escada era sempre uma aventura: quando se coloca um pé na frente para descer o degrau, o corpo deslocado para frente, no ar, ainda permanece apoiado no pé de trás – e a pouca estabilidade do ato reduz mais o equilíbrio quando os degraus são altos.  

Sobre seu gigante carro preto, explicou que era o modo do aplicativo lhe enviar as rentáveis corridas para Guarulhos. Fizera algumas adaptações nele: altura do banco, tipo de volante, elevação dos pedais, degraus, etc.  A força e agilidade no manuseio das malas vinha do fato de que ele também comprava imóveis, reformava e vendia. Acostumara-se a movimentar peso e desenvolvera um pequeno arsenal de dispositivos para ajudá-lo.

Chegando no aeroporto, ele comentou animado que iria pegar outra corrida dali mesmo para o centro da cidade. Bem, o valor alto que paguei no meu trajeto acabou ficando barato, pois não é todo dia que se consegue conversar com um grande homem.

Silvia Guimarães