Eu era professora universitária e uma vez peguei uma turma com um aluno cadeirante. Percebi que a super proteção e a compaixão dos professores não o faziam se esforçar nos estudos. Como discordei daquilo e não entrei no jogo, a situação nos aproximou e acabei ficando com um olhar mais atento às dificuldades de locomoção dele e das outras pessoas.
É comum associarmos a limitação de deslocamento apenas aos usuários de cadeira de rodas, porém há várias restrições de deslocamentos não tão visíveis e que as vezes são temporárias. Cada um de nós já enfrentou ou possivelmente enfrentará alguma dificuldade em caminhar pela cidade. Quem nunca andou com mala pelas ruas? Ou carregando pacotes pesados? E com carrinho de bebê? E as mulheres grávidas? E as pessoas idosas ou aquelas com excesso de peso? E quem tem problema de visão?
O termo caminhabilidade (walkability) refere-se a todas as pessoas que andam a pé. A mobilidade urbana não trata apenas de transporte público e bicicletas, caminhar é o modo mais simples e barato de deslocamento. Pessoas caminham para suprir suas necessidades diárias (trabalho, compras, etc.) ou de forma recreacional/esportiva; e é na caminhada que começa e termina um trajeto maior. Caminhar melhora a qualidade de vida, saúde e não afeta o meio ambiente – então por que caminhamos tão pouco pela cidade?
Em 2020, em Londres foi lançado o caderno The Planning for Walking Toolkit onde constam valiosas informações para profissionais e instituições que visam aumentar a caminhabilidade nas cidades. Aliás, é ótimo caminhar em Londres: a beleza da cidade, a boa manutenção e formato das calçadas, sinalização adequada, restrições aos carros em áreas centrais, transporte público satisfatório – tudo convida a uma boa caminhada. Segundo o material, sete princípios devem ser atendidos para facilitar a vida do pedestre:
1. Segurança: o usuário precisa sentir-se seguro. O medo de atropelamento devido ao excesso de veículos e da alta velocidade, principalmente nas travessias, afasta as pessoas, e várias cidades têm reduzido os limites de velocidade. Assaltos e vandalismos afugentam o pedestre, e uma vigilância adequada é benvinda.
2. Inclusivo e acessível: pessoas com diferentes características de mobilidade devem usar o espaço, com autonomia. É necessário boa iluminação, rampas acessíveis, manutenção e largura satisfatória das calçadas, piso tátil, etc.
3. Confortável: pessoas preferem caminhar em locais pouco barulhentos, sem fumaça ou multidão, sem excesso de sol ou vento, etc.
4. Direto: pedestres preferem os menores caminhos e, se for o caso, criam atalhos.
5. Sinalização: pessoas precisam se localizar facilmente no local e arredores. Sinalizações e mapas são necessários em terminais de ônibus/metrô, pontos turísticos, cruzamentos, etc. A sinalização deve estar em bom estado e ser legível.
6. Conectados: desejável haver várias rotas para o usuário suprir suas necessidades, preferencialmente associado ao transporte público. Elementos que quebram a conectividade: topografia, vias expressas, ferrovias, canais, etc.
7. Atraente: pessoas gostam de caminhar em locais agradáveis. Elementos arquitetônicos, amenidades, iluminação, paisagismo e limpeza atrai os pedestres.
Muitos de nós lembra de algum lugar inesquecível que esteve. E possivelmente estávamos andando a pé neste local. Que tal uma cidade com mais possibilidades para caminharmos?
Silvia Guimarães